segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O dedo de Buda

Retirado do site: Associação Hermes



Buda e o macaco (o macaco é visto muitas vezes como um símbolo do eu psicológico, irrequieto e ágil)

Uma história chinesa conta que o macaco se maravilhava um dia com a sua própria agilidade.
- Salto admiravelmente de ramo em ramo, corro como o vento, dou pulos, por momentos tenho a impressão de voar.
Um homem que passava por ali – tratava-se de Buda sob disfarce, mas o macaco não podia reconhecê-lo, ocupado que estava consigo próprio – ouviu as palavras do animal e disse-lhe assim:
- Vês aquele grande poste que se ergue lá em baixo, no campo?
O macaco olhou na direcção que o homem apontava e avistou, com efeito, um poste alto, bem visível.
- Proponho-te uma corrida – prosseguiu o homem. – Trata-se de ir até ao poste o mais depressa possível.
- Posso ir pelas árvores? – Perguntou o macaco.
- Naturalmente. Podes usar os meios que desejares para ir até ao poste. Mas para ambos termos a certeza de que o topo do poste foi atingido, temos que deixar lá a nossa marca, a nossa assinatura.
- Aceitas?
- Vamos até ao poste – disse o macaco, prudente e astuto – subimo-lo, deixamos lá uma assinatura e o primeiro que voltar aqui ganha?
- É isso mesmo.
O macaco reflectiu um momento e olhou para o homem, que era idoso e um pouco gordo.
- Estou de acordo – disse por fim.
Adivinhava uma armadilha, mas não podia ver a forma dela.
Foi dado o sinal de arranque. O macaco partiu com uma rapidez maravilhosa, passando como por magia aérea de uma árvore para outra. Atingiu o poste, subiu-o sem a menor aparência de esforço, depôs lá com presteza a sua assinatura, desceu e voltou aos saltos para o seu ponto de partida.
Ali encontrou o homem que parecia não se ter mexido e o esperava, sorrindo.
- Ganhei! – disse o macaco.
- Não – disse o homem. – Perdeste.
- Como é possível? Atingi o poste em menos de três respirações, escalei-o, marquei-o com a minha assinatura e voltei aqui! E tu, durante este tempo, não te mexeste!
- Porque havia de me mexer? – Perguntou o homem.
- O macaco não soube o que responder. Ficou ali, apesar de tudo um pouco ofegante, e desconcertado.
- Vê – disse então Buda, sob o seu disfarce de homem, mostrando-lhe um dos seus dedos.
O macaco olhou para o dedo e viu que a extremidade estava marcada com uma nítida assinatura.
Sem compreender, o macaco focou o olhar no campo, no sítio onde, um instante mais cedo, se erguia um grande poste.
Mas o poste tinha desaparecido.


do livro: Jean-Claude Carrière, Tertúlia de Mentirosos,
contos filosóficos do Mundo Inteiro,
Ed.Teorema

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