terça-feira, 22 de julho de 2008

SE SE MORRE DE AMOR

Gonçalves Dias

Se se morre de amor! — Não, não se morre, Quando é fascinação que nos surpreende. De ruidoso sarau entre os festejos; Quando luzes, calor, orquestra e floresAssomos de prazer nos raiam n'alma, Que embelezada e solta em tal ambienteNo que ouve, e no que vê prazer alcança!

Simpáticas feições, cintura breve, Graciosa postura, porte airoso,Uma fita, uma flor entre os cabelos, Um quê mal definido, acaso podem. Num engano d'amor arrebatar-nos. Mas isso amor não é; isso é delírio, Devaneio, ilusão, que se esvaeceAo som final da orquestra, ao derradeiro.

Clarão, que as luzes no morrer despedem: Se outro nome lhe dão, se amor o chamam, D'amor igual ninguém sucumbe à perda. Amor é vida; é ter constantemente. Alma, sentidos, coração — abertos. Ao grande, ao belo; é ser capaz d'extremos, D'altas virtudes, té capaz de crimes!Compr'ender o infinito, a imensidade, E a natureza e Deus; gostar dos campos, D'aves, flores, murmúrios solitários; Buscar tristeza, a soledade, o ermo, E ter o coração em riso e festa; E à branda festa, ao riso da nossa almaFontes de pranto intercalar sem custo;Conhecer o prazer e a desventuraNo mesmo tempo, e ser no mesmo pontoO ditoso, o misérrimo dos entes;Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem. Para dizer que amor que em nós sentimos;Temer qu'olhos profanos nos devassem. O templo, onde a melhor porção da vida. Se concentra; onde avaros recatamos. Essa fonte de amor, esses tesouros Inesgotáveis, d'ilusões floridas;Sentir, sem que se veja, a quem se adora, Compr'ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos, Segui-la, sem poder fitar seus olhos, Amá-la, sem ousar dizer que amamos, E, temendo roçar os seus vestidos, Arder por afogá-la em mil abraços:Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem Para dizer que amor que em nós sentimos; Temer qu'olhos profanos nos devassem O templo, onde a melhor porção da vida Se concentra; onde avaros recatamos Essa fonte de amor, esses tesourosInesgotáveis, d'ilusões floridas; Sentir, sem que se veja, a quem se adora, Compr'ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos, Segui-la, sem poder fitar seus olhos, Amá-la, sem ousar dizer que amamos, E, temendo roçar os seus vestidos, Arder por afogá-la em mil abraços: Isso é amor, e desse amor se morre!

Que será do que fica, e do que longe Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio? Pode o raio num píncaro caindo,Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos; Pode rachar o tronco levantadoE dois cimos depois verem-se erguidos, Sinais mostrando da aliança antiga; Dois corações porém, que juntos batem, Que juntos vivem, — se os separam, morrem; Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,S e aparência de vida, em mal, conservam,Ânsias cruas resumem do proscrito, Que busca achar no berço a sepultura!

Que será do que fica, e do que longeServe às borrascas de ludíbrio e escárnio? Pode o raio num píncaro caindo,Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos; Pode rachar o tronco levantado E dois cimos depois verem-se erguidos, Sinais mostrando da aliança antiga; Dois corações porém, que juntos batem, Que juntos vivem, — se os separam, morrem; Ou se entre o próprio estrago inda vegetam, Se aparência de vida, em mal, conservam, Ânsias cruas resumem do proscrito, Que busca achar no berço a sepultura!

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